A Bárbara e o Necromante - Parte 2

Depois de muito atraso, estamos de volta com a segunda parte da minha crônica (entre uma sessão e outra vou escrevendo ela).


Eric estava em uma sala escura, parecia uma masmorra, mas limpa demais. A luz outra vez voltou a lhe atormentar. Brilhando com escárnio como se o chamasse para o mesmo destino de sempre. Ele sabia que uma dolorosa morte o aguardava, mas mesmo assim, e como sempre foi, ele percorreu o corredor de pedras lisas e frias em direção ao facho de luz. Quando chegou ao fim, sentiu a mesma dor queimando o peito, como se o dono da luz lhe apertasse sem piedade o coração, como desejando o parar de bater.
O facho virou um raio luminescente, Eric protegia os olhos com o dorso da mão, tentando em vão encontrar algo ou alguém por trás de tanto brilho e calor. Quando a luz ficou forte o bastante para o cegar, outra vez...


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Eric acordou assustado. Tenebra lhe pregava peças com outro de seus pesadelos sem sentido, sem resposta. Levou um tempo para recobrar o raciocínio e perceber onde estava. Uma cabana rústica, de palha trançada e chão de madeira velha, ele estava em uma espécie de colchonete, de paliça e couro de vários animais que ele não soube reconhecer. Couros similares decoravam as estreitas paredes da cabana. Em outra parede, galhos de árvores, e várias ervas reunidas em fardos, todas penduradas, secando em preparados de cheiro estranho. Em uma mesa torta, potes de barro de vários tamanhos. Alguns cheios e outros pela metade, cada um com líquidos e sólidos de cores e cheiros variados.

Quanto mais Eric analisava a cabana, menos prestava atenção em si mesmo. Ao levantar o cobertor de peles, viu que estava nu, e uma tira de couro em seu peito segurava precariamente um curativo de ervas sobre o corte profundo abaixo do pescoço, corte que ele não lembrava de sofrer na luta contra o réptil gigante. Ao olhar em volta, procurando as suas roupas, sentiu uma fisgada. O corpo ainda não estava curado do ferimento, e mesmo se estivesse, Eric não tinha forças para sair dali, ou o que quer que ele pudesse fazer. Seu cajado estava caído ao seu lado, tentou usá-lo para se levantar. Quando as cortinas da cabana, que eram a sua entrada, se abriram.

Uma silhueta disforme era tudo o que Eric conseguia ver, por estar contra o sol que invadia a cabana pela abertura recém descoberta. Sem esboçar reação, Eric apenas protegeu os olhos da luz forte enquanto o vulto entrava. Ao fechar a cortina, ele pode ver melhor como era o seu herói. Com um casaco de couros variados, rosto coberto e duas lâminas pendendo da cintura, o ser carregava um javali. Morto em uma possível caçada pelo almoço. Largou o animal de mau jeito no chão, e começou a tirar o casaco.

Eric queria dizer algo, ou fazer algo, tinha magias prontas para disparar com o cajado que segurava, mas nada fez.

O ser revelou-se para ele, era uma humanóide. Com a pele de cor esverdeada, como o musgo em um pote de barro, nariz pequeno e empinado como o do javali que matara. O rosto era delineado, mas firme, típico de um caçador, dois caninos inferiores insistiam em sobressair e ficar sempre a mostra mesmo com a sua pequena boca fechada. Os cabelos lisos na altura do pescoço, negros e brilhantes, davam uma aparência singela para aquela mulher rústica. Tinha o corpo bem torneado e até um pouco musculoso, usava uma saia de couro verde e um arremedo de biquíni, que apenas cobriam o fundamental sem atrapalhar os movimentos.

Eric observava seus movimentos apreensivo, curioso, e de certa forma, maravilhado. nunca tinha visto uma fêmea meio-orc. Aquela híbrida lhe passava uma sensação de conforto que nenhuma donzela, por mais refinada que fosse, poderia passar.

Ela agarrou um ramo de ervas despinhentas da parede, e colocou sobre uma pedra polida sobre a mesa. Esmagou as folhas com outra, até que o musgo da planta soltasse junto com o suco da seiva, e com precisão, jogou tudo em um pote de barro. Numa tina de água ao lado, preencheu o pote, diluindo a erva.

Ela veio em direção a Eric olhando mais para o pote do que para onde ia. Com as duas mãos feito uma criança, ela levou o pote até as mãos dele, sem uma palavra, sem um som. O rosto, difícil para Eric decifrar, mostrava certa preocupação. Ele segurou o pote e olhou para a rústica mistura de água e seiva, não sabia o que fazer, para ela deu um olhar de dúvida.

Talvez fosse a criatura estranha de pele branca e olhos de cores diferentes em sua cabana, ou por ela te-lâ olhado fundo nos olhos, a mestiça desviou o olhar por instinto. Olhando para as frágeis mãos do mago, segurou-as e empurrou gentilmente o pote em direção ao rosto dele.

Eric sentiu um aroma familiar quando o pote chegou ao rosto. Aprendeu pouco sobre herbologia na Academia Arcana, mas conhecia a planta que a mulher lhe entregara. Daravolia. Assustou-se, pensando, como uma nativa de Lamnor podia saber assim de uma planta com poderes curativos? Tentativa e erro?! Impossível, a planta de Daramúlida é igual em forma e cheiro, e venenosa. Mesmo assim, bebeu o caldo, que rasgou a garganta em um gosto horrível. Mas já estava convencido de que ela não queria seu mal, e sentiu-se ainda mais seguro.

Sentado no estrado de palha, Eric olhava seu peito, limpo apenas a tala no ferimento, o corpo todo limpo. A mulher em sua frente, havia lhe dado um banho, tirado toda a sua roupa e ele não acordara. Sua face enrubesceu por um breve momento ao pensar nisso. Devolveu o pote, mas ela não se levantou. Fitava-o com a curiosidade de um aprendiz de mago em uma biblioteca, Eric repetiu o gesto. Estavam conhecendo, analisando, dois espécimes em pesquisa.

De súbito, ela agarrou os ombros dele, queria que ele se deitasse, estava preocupada. Começou a empurrar, com cuidado, ela o movia como um boneco de porcelana. Seu corpo era pálido e frágil naquelas mãos fortes, parecia querer quebrar a qualquer momento.

Ele quis ficar sentado, queria saber mais. Tinha medo de falar algo e assustá-la. Arriscou. Olhando para aqueles olhos brancos e espremidos como os de um tamuraniano e perguntou:

- Você fala minha língua?

A mestiça o soltou receosa, enquanto Eric pensava na besteira que fez. E mesmo que não fosse besteira, e ela o entendesse, pensou na pergunta estúpida que fez. Ela disse com esforço numa voz lenta, forte, mas visivelmente feminina:

- Eu... Falo...